quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Só sentimentos.....S2: O encanto de cada dia

Só sentimentos.....S2: O encanto de cada dia: Ainda bem que o tempo passa! Já imaginou o desespero que tomaria conta de nós se tivéssemos que suportar uma segunda-feira eterna? A bel...

O encanto de cada dia



Ainda bem que o tempo passa! Já imaginou o desespero que tomaria conta de nós se tivéssemos que suportar uma segunda-feira eterna? A beleza de cada dia só existe porque não é duradoura. Tudo o que é belo não pode ser aprisionado, porque aprisionar a beleza é uma forma de desintegrar a sua essência.
Dizem que havia uma menina que se maravilhava todas as manhãs com a presença de um pássaro encantado. Ele pousava em sua janela e a presenteava com um canto que não durava mais que cinco minutos. A beleza era tão intensa que o canto a alimentava pelo resto do dia. Certa vez, ela resolveu montar uma armadilha para o pássaro encantado. Quando ele chegou, ela o capturou e o deixou preso na gaiola para que pudesse ouvir por mais tempo o seu canto.
O grande problema é que a gaiola o entristeceu, e triste, deixou de cantar. Foi então que a menina descobriu que o canto do pássaro só existia porque ele era livre. O encanto estava justamente no fato de não o possuir. Livre, ele conseguia derramar na janela do quarto a parcela necessária de encanto para que a garota pudesse suportar a vida.
O encanto alivia a existência… Aprisionado, a menina o possuía, mas não recebia dele o que ela considerava ser a sua maior riqueza: o canto!
Fico pensando que nem sempre sabemos recolher só encanto… Por vezes, insistimos em capturar o encantador e, então, o matamos de tristeza. Amar talvez seja isso: ficar ao lado, mas sem possuir. Viver também.
Precisamos descobrir que há “um encanto nosso de cada dia” que só poderá ser descoberto à medida que nos empenharmos em não reter a vida. Viver é exercício de desprendimento. É a aventura de deixar que o tempo leve o que é dele, e que fique só o necessário para continuarmos as novas descobertas.
Há uma beleza escondida nas passagens… Vida antiga que se desdobra em novidades. Coisas velhas que se revestem de frescor. Basta que retiremos os obstáculos da passagem.
Deixar a vida seguir. Não há tristeza que mereça ser eterna. Nem felicidade. Talvez seja por isso que o verbo “dividir” nos ajude tanto no momento em que precisamos entender o sentimento da tristeza e da alegria. Eles só são suportáveis à medida que os dividimos… E enquanto os dividimos, eles passam como tudo precisa passar.
Não se prenda ao acontecimento que agora parece ser definitivo. O tempo está passando… Uma redenção está sendo nutrida nessa hora…
Abra os olhos. Há encantos escondidos por toda parte. Preste atenção. São miúdos, mas constantes. Olhe para a janela de sua vida e perceba o pássaro encantado na sua história. Escute o que ele canta, mas não caia na tentação de querê-lo o tempo todo só para você. Ele só é encantado porque você não o possui. E nisso consiste a beleza desse instante: o tempo está passando, mas o encanto que você pode recolher será o suficiente para esperar até amanhã, quando o pássaro encantado voltar a pousar na sua janela.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Só sentimentos.....S2: Sejamos como os girassóis

Só sentimentos.....S2: Sejamos como os girassóis: Uma coisa é certa. Nós estamos todos num mesmo campo. Há em cada um de nós uma essência que nos orienta para o verdadeiro lugar a que pr...

Sejamos como os girassóis


Uma coisa é certa. Nós estamos todos num mesmo campo. Há em cada um de nós uma essência que nos orienta para o verdadeiro lugar a que precisamos chegar, mas nem sempre realizamos o movimento da procura pela luz.
Sejamos afeitos a este movimento místico, natural. Não prenda os seus olhos no oposto de sua felicidade. Não queira o engano dos artifícios que insistem em distrair a nossa percepção. Não podemos substituir o essencial pelo acidental. É a nossa realização que está em jogo.
Girassol só pode ser feliz se para o sol estiver orientado. É por isso que eles não perdem tempo com as sombras.
Eles já sabem, mas nós precisamos aprender.
Padre Fábio de Melo

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Só sentimentos.....S2: Silêncio dos olhos

Só sentimentos.....S2: Silêncio dos olhos: Em que língua se diz, em que nação, Em que outra humanidade se aprendeu A palavra que ordene a confusão Que neste remoinho se teceu? Que m...

Silêncio dos olhos

Em que língua se diz, em que nação,
Em que outra humanidade se aprendeu
A palavra que ordene a confusão
Que neste remoinho se teceu?
Que murmúrio de vento, que dourados
Cantos de ave pousada em altos ramos
Dirão, em som, as coisas que, calados,
No silêncio dos olhos confessamos?

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Só sentimentos.....S2: Amo-te Por Todas as Razões e Mais Uma

Só sentimentos.....S2: Amo-te Por Todas as Razões e Mais Uma: Porque nunca existe apenas uma razão para amar alguém. Porque não pode haver nem há só uma razão para te amar. Amo-te porque me fascinas e...

Amo-te Por Todas as Razões e Mais Uma

 Porque nunca existe apenas uma razão para amar alguém. Porque não pode haver nem há só uma razão para te amar. 
Amo-te porque me fascinas e porque me libertas e porque fazes sentir-me bem. E porque me surpreendes e porque me sufocas e porque enches a minha alma de mar e o meu espírito de sol e o meu corpo de fadiga. E porque me confundes e porque me enfureces e porque me iluminas e porque me deslumbras. 
Amo-te porque quero amar-te e porque tenho necessidade de te amar e porque amar-te é uma aventura. Amo-te porque sim mas também porque não e, quem sabe, porque talvez. E por todas as razões que sei e pelas que não sei e por aquelas que nunca virei a conhecer. E porque te conheço e porque me conheço. E porque te adivinho. Estas são todas as razões. 
Mas há mais uma: porque não pode existir outro como tu. 

sábado, 7 de janeiro de 2012

Só sentimentos.....S2: Aos Deuses sem fiéis

Só sentimentos.....S2: Aos Deuses sem fiéis: Talvez a hora escura, a chuva lenta, Ou esta solidão inconformada. Talvez porque a vontade se recolha Neste findar de tarde sem remédio....

Aos Deuses sem fiéis

Talvez a hora escura, a chuva lenta,
Ou esta solidão inconformada.


Talvez porque a vontade se recolha
Neste findar de tarde sem remédio.


Finjo no chão as marcas dos joelhos
E desenho o meu vulto em penitente.


Aos deuses sem fiéis invoco e rezo,
E pergunto a que venho e o que sou.


Ouvem-me calados os deuses e prudentes,
Sem um gesto de paz ou de recusa.


Entre as mãos vagarosas vão passando
A joeira do tempo irrecusável.


Um sorriso, por fim, passa furtivo
Nos seus rostos de fumo e de poeira.


Entre os lábios ressecos brilham dentes
De rilhar carne humana desgastados.


Nada mais que o sorriso retribui
O corpo ajoelhado em que não estou.


Anoitece de todo, os deuses mordem,
Com seus dentes de névoa e de bolor,
A resposta que aos lábios não chegou.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Só sentimentos.....S2: Quais são as tuas palavras essenciais? As que rest...

Só sentimentos.....S2: Quais são as tuas palavras essenciais? As que rest...: Quais são as tuas palavras essenciais? As que restam depois de toda a tua agitação e projectos e realizações. As que esperam que tudo em si ...

Palavras essências

Quais são as tuas palavras essenciais? As que restam depois de toda a tua agitação e projectos e realizações. As que esperam que tudo em si se cale para elas se ouvirem. As que talvez ignores por nunca as teres pensado. As que podem sobreviver quando o grande silêncio se avizinha.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Só sentimentos.....S2: Não me peçam razões...

Só sentimentos.....S2: Não me peçam razões...: Não me peçam razões, que não as tenho, Ou darei quantas queiram: bem sabemos Que razões são palavras, todas nascem Da mansa hipocrisia qu...

Não me peçam razões...

Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.



José Saramago

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Só sentimentos.....S2: Poema à boca fechada

Só sentimentos.....S2: Poema à boca fechada: Não direi: Que o silêncio me sufoca e amordaça. Calado estou, calado ficarei, Pois que a língua que falo é de outra raça. Palavras con...

Poema à boca fechada


Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.



José Saramago